segunda-feira, 13 de julho de 2009

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Uma ciência para o desenvolvimentismo

Introdução
Ciência e técnica são noções essencialmente diferentes e assim foram, consideradas, mas, no mundo capitalista, o conhecimento científico tornou-se um fator decisivo para o desenvolvimento, antes associado, predominantemente, a recursos físicos. O tipo de saber que propício ao desenvolvimento caracteriza-se como uma tecno-ciência, na qual se atenuam sensivelmente as diferenças que distinguiam os dois campos em tempos passados. A ciência tecnificando-se tornou-se, de algum modo, uma cúmplice da dominação da natureza e da sociedade caracterizando-se por uma vontade de poder sobre as coisas e sobre o próprio homem, que a identifica à técnica. Mas, como diz Ladrière, ela conserva a sua finalidade específica, que é a produção de conhecimentos sempre mais precisos, mais amplos, mais confiáveis, e matematicamente construídos. Instrumentos, aparelhos e técnicas são parte integrante da sua realização. Pode-se dizer que não há hoje pesquisa científica, quer se trate da biologia, da medicina, ou da física, que não seja tecnicamente mediada. Na própria índole dos conhecimentos visados pelas ciências, são perceptíveis as razões pelas quais ela se prolonga hoje, muito freqüentemente, em uma ordem de saberes que já se situam na esfera da técnica. A concepção de científico-epistemológica dominante afirma que, para conhecer, é necessário desconstruir, reconstituir, manipular o objeto visado. Devido a esse caráter operatório, a ciência é construída através de um vai-vem contínuo entre o momento teórico propriamente dito, e o experimental, embora as noções de ciência e de técnica abstratamente consideradas, oponham-se como a teoria à prática e o conhecimento à ação.
Até o final do Renascimento, os conhecimentos propiciados pelas ciências da natureza eram tecnicamente utilizáveis, apenas de um ponto de vista formal. Só a partir de Galileu, uma atitude técnica começa a presidir às ciências experimentais. E, no século XIX inicia-se o processo de tecnificação dos conhecimentos sobre a natureza, favorável ao estreitamento dos seus vínculos com a área industrial, cuja produção, condicionada e estimulada pelas exigências sócio-político-econômicas peculiares ao modo de produção capitalista, torna-se campo de uma constante e progressiva intervenção do Estado. Assim não é somente ao sistema econômico que as ciências e a técnica se integram, mas também às instâncias político-administrativas maiores das sociedades onde se instalam. Estabelece-se assim uma dinâmica através da qual o complexo científico-técnico politiza-se de algum modo, ao mesmo tempo que a política se torna científica. A ciência converte-se a partir daí em um tema sociologicamente pertinente, pois não só o contexto técnico-científico, mas também o contexto econômico e o político passam a ser conotados pela palavra técnica. E esta, que permaneceu, por séculos, como um objeto teórico de interesse apenas da ciência e da filosofia, tornou-se, no século XX, motivo de crescente preocupação social, mundialmente generalizada. Devido às proporções do seu impacto sobre o homem, a natureza e a sociedade, ela gera hoje, universalmente, reações contraditórias de esperança e de temor.
Quanto à natureza da técnica, considera-se, em geral, que ela manifesta o homo faber assim como o falar-pensar manifesta o homem como vivente que se caracteriza pelo logos. Como diz A. Leroi-Gourham o homem fabrica instrumentos concretos e símbolos que, basicamente, derivam, uns e outros, do mesmo equipamento cerebral. A linguagem e o fazer técnico têm origem portanto, na mesma propriedade do homem e ambos vêm sendo objeto de reflexão desde a Antigüidade até os dias de hoje.
Em um histórico das concepções da técnica que termina com a exposição de seu próprio ponto de vista sobre o assunto, Castoriadis refere-se às idéias de "poetas gregos", de Platão, de Aristóteles e de Marx sobre o mesmo tema.
Nos "poetas gregos mais antigos", o termo técnica é quase sempre interpretado como fabricar, produzir, construir, porque a tèchnè procede sempre do que já existe, do que já é dado: Homero não diz, de Zeus, que ele faz ser (no sentido de existir ou acontecer), uma tempestade de chuva, mas que Zeus fabrica, produz a tempestade. (Castoriadis, 1978: 224)
A técnica é, nesse caso, um arranjo adequado, um ajustamento, uma transformação apropriada de materiais, que representa uma visão coerente com a idéia de criação que vigorava no pensamento grego anterior à Platão, quando não se admitia a passagem do não-ser ao ser, ou seja, a criação a partir do nada, ex nihilo. Neste contexto filosófico, a poièsis, não poderia, coerentemente, ser pensada como ato criador. Assim, em trabalhos iniciais do próprio Platão, como, por exemplo, no Timeu, lê-se que a criação do mundo dá-se a partir de elementos preexistentes, ajuntados, transformados, ajustados uns aos outros "em verdadeiras tecnidades demiúrgicas. Só mais tarde, Platão propõe a idéia de criação, de ato criador, em seu pleno sentido de surgimento a partir do nada e altera-se, em conseqüência a concepção da técnica. No diálogo O Banquete," surge a conceituação da poiesis: Causa que, qualquer que seja a coisa considerada, a faz passar do não-ser ao ser, (de modo que) os trabalhos que dependem de uma tèchnè, qualquer que ela seja, são poièses e seus produtores são todos poetas (criadores). (Castoriadis; 1978: 225)
Aristóteles assume esse sentido platônico da palavra, mas dá-lhe uma interpretação que não só a torna mais precisa [mas também virem à tona] certas conotações latentes, quando, por exemplo, afirma que a técnica, ou bem imita a physis ou bem efetua o que a natureza é incapaz de realizar. Ou ainda, quando sustenta que a tèchnè é o outro da physis mas a tèchnè, por excelência, seria a poesia, imitação de uma physis, que não é apenas physis.
Castoriadis acha que o conjunto de significações atribuídas ao conceito de técnica, na modernidade, conserva-se basicamente idêntico ao do mundo grego, mesmo em Marx, que representaria, a seu ver, o momento culminante dos tempos modernos nas considerações sobre o assunto.
A técnica é que estaria em questão quando Marx fala de trabalho, de indústria, de forças produtivas, razão pela qual o próprio termo técnica não é usado com maior freqüência em seus escritos. Nos Manuscritos de 1844, a palavra aparece como fator ao mesmo tempo central e criador do mundo social-histórico. Nos textos subseqüentes, desde A Miséria da filosofia, (1847), ao Prefácio da economia política, (1859), ela assume um outro sentido, que vem a ser dominante em sua obra: a técnica, como desenvolvimento da racionalidade. Muda também, ao mesmo tempo, e correlatamente, a concepção marxista do homem. Este, que nos Manuscritos é o ser que se auto-engendra pelo trabalho, passa a ser considerado pelo ângulo do que parece a Marx o objetivo humano essencial: domar, moldar, dominar as forças da natureza, fazendo assim, da história,
da história.

Tecnociencia
A ciência que se conjuga à técnica na determinação do mundo e da vida, em todos os níveis, é a ciência originária do século XVII, modelada fundamentalmente por Galileu e Descartes, em correspondência ao grande anseio do século XVII por conhecimentos certos e indubitáveis. A filosofia de Descartes expressava esse interesse e assim deve ser lida, conforme sugestão de diferentes especialistas, inclusive Alquiè . Os seus pressupostos são que uma metodologia, matematicamente construída e corretamente aplicada, possibilitaria a conquista de certezas absolutas e definitivas sobre o universo, isentas das conotações teológicas que se mesclavam aos princípios do conhecimento filosófico na era medieval e continuavam a vigorar, tanto na filosofia como nas ciências, ainda no século XVII.
É surpreendente o êxito histórico alcançado por essa forma de pensar que então se constituiu. Os princípios que a sustentam metodologicamente, expressos, de modo mais completo nas Regulae ad directionem ingenii e, resumidamente, no Discurso do método, não apenas representam a base de todo o pensamento e prática científica até os dias de hoje, mas também, embora caótica e confusamente, definem o senso comum de todo o Ocidente, cujo o modo de pensar é predominantemente aristotélico-tomista-cartesiano. Confirma-se, assim, mais uma vez, o acerto dos pontos de vista de Gramsci sobre o tipo específico de constituição do pensamento das camadas populares das sociedades, que se caracteriza como um amalgama das grandes filosofias do passado.

O fim do determinismo
Só no decorrer do século XX é que, o avanço das pesquisas científicas ocasionou a percepção de fenômenos capazes de abalar os sólidos princípios do determinismo e da ordem universais, pilares do método cartesiano. A avidez começa, aos poucos, a ceder lugar à idéia de que conhecer ou pensar consistem, essencialmente, em dialogar com a incerteza, pois como diz Edgar Morin, a visão da ciência clássica para a qual existe um mundo mecânico, determinista, ordenado, estava se desintegrando e ocasionando o aparecimento de um universo, no qual surgem, por toda parte, o aleatório, a agitação térmica, as coalizões, o imprevisível. O próprio Morin, referindo-se ao seu "longo estudo" sobre os princípios do conhecimento, diz não duvidar de que as ciências possibilitam muitas certezas, mas acha que elas formam um "arquipélago num oceano de incertezas." ( Morin; 1987: 73)
Ciências em diversos campos emitem seu parecer sobre a questão. Duby comenta ter sido, em 1926, que a crença no determinismo sofreu o "primeiro golpe fatal", quando Heisemberg, demonstrou a impossibilidade de se realizar observações sem causar alterações no objeto visado. Esse teria sido o "golpe fatal" porquanto, desde o século XIX essa crença já se encontrava abalada pela dúvidas lançadas por Lobatchevsky sobre a verdade absoluta da geometria euclidiana, assim como pelos questionamentos de Weierstrass à adequação da matemática para a representação do mundo sensível. Mas ele próprio, Duby, considera ainda relativa a importância objetiva dessas contestações, na medida em que elas podem ser tomadas num sentido puramente formal ou meras "curiosidades matemáticas", que não chegariam a abalar os fundamentos da mais inquestionavelmente certa de todas as ciências. Objeções realmente significativas, na sua opinião, teriam sido a de Cantor, (1899) e Russel (1905), que apontaram vulnerabilidades nos próprios fundamentos da matemática. Cantor, chamando a atenção para a idéia de que "o conjunto de todos os conjuntos é uma noção contraditória e Russel, descobrindo um outro conjunto ( que parece) paradoxal: o conjunto de todos os conjuntos que não são elementos de si mesmos." (Duby; 1993: 32-33)
Duby, considera, entretanto, que a vitória final não caberá, fatalmente, ao princípio da incerteza porque os matemáticos já trabalham no sentido de descobrir a ordem sob a desordem, o certo no incerto.
Por outro lado, no campo da biologia, um novo olhar ecologicamente mais sensível, reconhece na Natureza um organismo que, além de extremamente complexo, oculta surpreendentes sutilezas. Por exemplo, como diz Bourguignon, as relações de um ser vivo com o seu meio não são evidentes. O meio não é, para o ser vivo, aquele que a ciência define como tal e sim um conjunto mais vasto de componentes que são em cada caso, significativos. Um e outro não são idênticos, como também são variáveis para as diferentes espécies: nNo mesmo território, o mundo exterior é diferente para a abelha e para o coelho. Um e outro estão, por certo, submetidos ao mesmo fluxo incessante de informações; não lhe atribuem, contudo, a mesma significação. Para cada um, apenas uma fração desse fluxo informacional é utilizável e concorre para a sua existência...(Bourguignon; 1990: 12)
As grandes conquistas da biologia no século XX, que, em seus começos, aparentemente viriam confirmar o paradigma da simplificação, hoje suscitam os maiores problemas relativamante ao mundo vivo. Entre outra razões, porque a biologia moderna inscreve de modo profundo e decisivo, a noção de acaso nas leis de Mendel e nos princípios que governam a individualização, a evolução e (e ainda porque) faz surgir uma relação complexa entre ordem e organização. (Morin; s/d: 334)
Hoje os biólogos, em geral, reconhecem que todo sistema constitui uma unidade complexa, que comporta diversidade, multiplicidade e até antagonismos. A complexidade viva é a diversidade organizada: A vida caracteriza-se pela sua extrema unidade e pela sua extrema desunidade (...) É uma unidade radical presente em cada ser, da ameba ao elefante — e global — a biosfera, que envolve todos os seres vivos (...); é não só diversidade/ pluralidade/ heterogeneidade, mas também, desunidade, desunião, cisão, dispersão, antagonismos (...) O problema do pensamento complexo consiste, pois, em pensar a unidade/desunidade da vida, sem reabsorver, reduzir, enfraquecer, um dos dois termos. (Morin; s/d:336)
É no âmbito da concepção da complexidade que os princípios da incerteza, do indeterminismo, da ordem na desordem têm lugar.
Mas essa própria concepção, a julgar pelos juízos expressos pelos próprios biólogos que a defendem, não parece ainda muito claramente definida: Atlan a conceitua como "uma desordem aparente na qual vemos razões para presumir uma ordem oculta, (ou) uma ordem cujo código não conhecemos" ( Atlan; 1992: 67) O mesmo autor identifica também a complexidade com uma "noção negativa", na medida em que ela indica apenas o reconhecimento de que alcançamos uma certa compreensão de um sistema em sua globalidade, sabendo , entretanto, que inúmeros aspectos ou detalhes nos escapam.
Atlan adverte, também no sentido de não se confundir a complexidade com a complicação. Esta é própria dos sistemas artificiais e pode ser medida por meio de planos ou programas que apresentem, em pormenores, a construção do sistema. Já no caso da complexidade, a noção deixaria de fazer sentido no caso do sistema em questão se tornar detalhadamente explicável. Ele diz ainda que a microfísica, a partir do começo do século XX e, mais recentemente, a biologia molecular.
Estariam nos ensinando coisas 'bizarras' onde o bom senso comum dificilmente se reencontra, e que forçam a questionamentos de pares conceituais, como realidade e representação, ordem e desordem, acaso e determinismo, pedras angulares do paradigma dentro do qual a ciência vinha progredindo majestosamente no caminho da verdade objetiva que se revelava, sem ambigüidades, ao homem munido da razão e do método experimental.( Atlan; 1992: 72)
Prigogine assim como Atlan, faz um paralelo entre as duas formas de cientificidade que hoje, de algum modo, já se confrontam: No passado, a ciência nos falava de leis eternas, hoje ela nos fala da história do Universo ou da matéria, o que revela uma aproximação evidente com a ciências humanas... Nessa perspectiva, a dialética entre a ciência e a sociedade assume novas formas... (Atlan; 1992: 77)

Uma escuta poética da natureza, que venha substituir a postura dominante, que faz da natureza um simples autômato é uma das suas sugestões.
Uma conclusão possível seria a de que, conforme sintetizou Morin, Vivermos em um mundo onde há apenas determinações, estabilidades, repetições, ciclos, mas há também o surgimento do novo. E (como acontece) em toda complexidade, há a presença de incertezas, seja empíricas, seja teóricas e, mais freqüentemente empíricas e teóricas. (Morin; 1993: 21)
Ele diz que pressentiu que a atual visão do mundo, inspirada nas descobertas das ciências físicas, passará ainda por transformações e relativizações, a partir de novas descobertas, que suscitarão novos enfoques teóricos e, tende a acreditar que essas eventuais mudanças se darão no sentido da complexidade.



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domingo, 24 de maio de 2009

Natureza e sociedade: questões sobre o olhar de Marx e Luckacs

Natureza e sociedade: questões sobre o olhar de Marx e Luckacs

Esse trabalho propõe-se discutir as relações entre natureza e sociedade na obra de Marx, a partir da sua interpretação por Lukács. Ao mesmo tempo, a partir de cada tópico, é posta uma questão específica. No primeiro, indaga-se sobre as relações entre o pensamento referido e a interdisciplinaridade no tratamento da questão ambiental; a segunda menciona os vínculos entre a ciência ambiental e a percepção dos dois domínios, natureza e sociedade, como realidades integradas; a terceira focaliza o trabalho como agente dessa integração.
Para discutí-las em conjunto, não parece incorreto resumí-las assim: A concepção das relações entre natureza e sociedade nos termos em que é exposta por Lukács seria um referencial teórico adequado ao tratamento da questão ambiental?
Para começo de discussão, talvez se possa acrescentar: mais do que adequado, a essa compreensão da interação entre os dois domínios ­ natureza e sociedade ­, não seria sempre necessária, pelo menos à melhor avaliação da gravidade e urgência do desastre ecológico mundial.
Tem crescido, parece, a consciência dos interessados pelo problema no sentido de que a questão ecológica não pode ser pensada apenas à luz dos processos biológicos:

“A questão ambiental envolve uma complexidade de relações que se estendem sobre a totalidade da vida social e a forma de pensar essa totalidade…Esta percepção da realidade pressupõe uma inter-relação e interdependência essencial de todos os fenômenos físicos, biológicos, psicológicos, sociais e culturais o que por sua vez, passa a requerer uma abordagem científica mais complexa e dinâmica do que a abordagem disciplinar herdada da ciência moderna.”(Moreira;1993:15)


Do reconhecimento dessa interação entre os dois mundos, o social e o natural através do trabalho, decorrem incontáveis conseqüências da maior complexidade, para os equacionamentos e encaminhamentos de soluções para a questão ambiental, em seus diversos aspectos, pois tornam-se evidentes as implicações político-econômicas dessa problemática. De tal modo que não se pode deixar de considerar estranho que as instâncias políticas detentoras dos poderes de decisão, embora comecem a demonstrar alguma consciência dos perigos que ameaçam a vida do planeta, limitam-se na prática, a tentativas e medidas de pequeno alcance, voltadas, na sua maioria, apenas para a correção dos danos industriais.
É reconhecido hoje que se a crise ambiental neste final de século confunde-se com os problemas do desenvolvimento, agravados pelos vícios que lhe são inerentes, essa crise não poderá ser resolvida apenas por medidas técnicas. A origem das dificuldades é de natureza social e política e é nessa perspectiva que devem ser considerados os problemas ambientais, a começar do seu diagnóstico. Como diz Guatarri:

“Não haverá verdadeira resposta à crise ecológica, a não ser em escala planetária e com a condição de que se opere uma autêntica revolução política, social cultural, que reoriente os objetivos da produção de bens materiais e imateriais.” (1986:9)

Essa abrangência e complexidade da questão ambiental justificam uma articulação entre a ciência ecológica, o tratamento científico interdisciplinar, e, principalmente, suscita o tema da sua abordagem do ponto de vista metodológico.

“A gestão dos ecossistemas e a ecologia humana aplicada tornam-se …novas tarefas que exigem a confluência de uma multiplicidade de disciplinas e de ações que, até agora, foram desenvolvidas de modo independente umas das outra ( Odum cit. Acot,1990:176)


A compreensão dessa necessidade resulta de uma nova percepção da vida e do universo, que hoje começa a se generalizar. Ela decorre, entre outros fatores, de uma progressiva tomada de consciência, pelo menos em algumas áreas do pensamento, das insuficiências das metodologias unidisciplinares no tratamento de qualquer questão social.
Partindo de diferentes preocupações, alguns teóricos, como, por exemplo Gregory Bateson e Edgar Morin, vêm obstinadamente procurando caminhos metodológicas condizentes com as novas aspirações científicas, que são, em geral, dissociadas de novas necessidades humano-sociais.
Bateson, em seu livro, Natureza e espírito, procura mostrar a importância de uma metodologia que nos permita ver elo que une todas as coisas: “Que constitui o elo que mantém unidas as estrela do mar, as anêmonas do mar, as florestas de sequóia e os grupos humanos”(1986:14)
Morin tenta construir uma metodologia que respeite e traduza a complexidade da coisas, dos existentes em geral. Quer articular a ciência do homem à ciência da natureza. Para isso considera necessário rever os princípios de explicação científica tradicionais que se atém à ordem dos fenômenos, isto é, às leis, às regularidades, aos determinismos, e, expelem do seu âmbito de preocupação as irregularidades, as indeterminações, o casual.

“Certamente, a missão quase vital da ciência até o fim do último século foi a de eliminar o incerto, o indeterminado, o impreciso, a complexidade, Para poder controlar e dominar o mundo pelo pensamento e pela ação … A sciênza nuova, em gestação é a que trabalha, negocia com o aleatório, o incerto, o impreciso, o indeterminado, o complexo”(Morin;1982:112)


E acrescenta que é das próprias dimensões abertas pela física atual, pela microfísica, pela cosmofísica, pela termodinâmica, que se verifica a importância da categoria desordem na consideração do universo. No caso da biologia, por exemplo, é forçoso reconhecer o acaso. Ele refuta as teses de René Thom concernentes às relações entre as condições da Terra e o surgimento da vida.

“Thom, como puro idealista lógico, pensa que a vida devia aparecer necessariamente sobre a terra. Certamente os encontros que suscitaram a primeira entidade viva obedeceram às leis físico-químicas que se manifestam necessariamente na condições desses encontros, mas teriam sido, eles próprios, necessários”? (Morin; 1982:113)


Prossegue a argumentação, apontados os dados empíricos que justificariam a posição anti-determinista por ele defendida. A mesma linha argumentação é usada em relação ao pensamento. Deveria ele Ter necessariamente, surgido? Então, porque em um único ramo da espécie animal em fase tão tardia?
São inúmeros os questionamentos nessa mesma ordem, dos que acabo de citar que os teóricos das ciências propõem à discussão, em conseqüência da crise do princípio clássico da explicação. A importância do aleatório impõem-se a cada dia. As ciências modernas reconhecem e enfrentam a contradição, na qual a ciência clássica via um sinal de que o universo obedecia à lógica aristotélica.
Enfim, a realidade é que o pensamento científico encontra-se em processo de transformação desde o começo do século. Vive-se certamente um momento de revolução científica, na linha sugerida por Kuhn, para quem

“a evolução científica é uma evolução da própria evolução das coisas e do real, o que significa que a ciência se desenvolve por revoluções paradigmáticas … Os paradigmas são alguns princípios que associam e dissociam noções fundamentais que comandam e controlam todo discurso teórico) ( Op cit. Morin, 1982:51)

Tranformam-se os paradigmas, novos princípios se impõem à teorização científica. No caso o que se busca são paradigmas que não falseiem ou anulem a complexidade, como é próprio ao paradigma da simplificação , que opera de forma a eliminar todos os aspectos não compatíveis com a linearidade lógica. Eliminação que se processa principalmente, através de processos de idealização, de racionalização, de normalização.
A idealização consiste na crença de que a realidade possa ser reabsorvida na idéia, que só o real, seja inteligível; a racionalização consiste na utilização de processos metodológicos que possibilitam a mutilação ou fragmentação de uma dada realidade, isto é cabível na coerência lógica de um sistema; a normalização permite ou provoca a eliminação do estranhável, do irredutível, do mistério.
Essas considerações sobre o movimento que se processa hoje no âmbito do pensamento científico tem como objetivo indicar os rumos que estão sendo procurados no plano teórico para uma efetiva transformação das relações entre os homens e seu ambiente.
Uma síntese do que venho tentando, sumariamente, expor é feita por Morin num trecho que embora longo, merece ser transcrito, principalmente porque nele também estão ligados diferentes temas que nos interessam aqui:

“Enquanto a ciência clássica fragmenta os fenômenos e impede toda tomada de consciência molar ou global, a nova ciência ecológica faz surgir, por si mesma , problemas simultaneamente fundamentais e urgentes concernentes à vida da natureza, à vida das sociedades. Melhor ainda: a ecologia geral suscita o problema da relação homem/natureza, no seu conjunto, na sua amplitude, na sua atualidade. Suscita um problema de vida e de morte, de devir para espécie humana e para a biosfera. A partir daí, a comunicação entre o fato e o valor entre a ciência e a consciência encontra-se novamente ativa. A ecologia geral é a primeira ciência que enquanto ciência (e não pelas conseqüências trágicas das suas aplicações, como a física nuclear e, em breve a genética e a ciência do cérebro), apela quase diretamente para uma tomada de consciência. E é a primeira vez que uma ciência, e não uma filosofia, não põe o problema entre humanidade e a natureza viva. ( Epígrafe, Viola & Leis;1991:22)

No seu estudo sobre as relações entre natureza-sociedade, Marx envolve filosofia, economia, história, sociologia, antropologia. Inaugura assim, um procedimento teórico metodológico interdisciplinar, que oferecendo vantagens indiscutíveis, comporta entretanto, difíceis exigências, para não se reduzir a uma simples justaposição das diversas ciências.
Três séculos de domínio de um racionalismo reducionista colocado na linearidade lógica ensinaram-nos a ver fragmentariamente o real. Morin define algumas das suas exigências essenciais:

“Para que haja uma verdadeira interdisciplinaridade, requerem-se disciplinas articuladas e abertas sobre fenômenos complexos e, bem entendido, uma metodologia ad hoc. Requer-se também uma teoria, um pensamento transdisciplinar que se esforce por abarcar o objeto, o único objeto, ao mesmo tempo contínuo e descontínuo da ciência: a physis”. (Morin;1973:229)

Na sua obra a Ontologia do ser social, Lukács mostra-se crítico em relação à postura de todas as filosofias do passado, mesmo as mais importantes no que diz respeito aos problemas pertinentes ao ser social. Essas filosofias, ele diz, ou acentuam radicalmente as diferenças entre sociedade e natureza, contrapondo um reino da liberdade a um reino da necessidade ­ como teria acontecido com Kant, ou ao contrário, diluem ou negam as particularidades inerentes ao ser social, estabelecendo uma completa identificação entre os dois planos do ser.
O ser social ele observa “possui muitas zonas que, assim como a natureza, parecem sujeitas à necessidade, à legalidade”. (Lukács;1984:1)
Somente Marx ao seu ver, estabelece o equilíbrio na temática, com a observação de que, se a ontologia geral engloba, ou melhor, compreende os “fundamentos ontológicos do ser”, (Lukáks;1984:2) também no ser social há de se verificar a presença de determinações próprias do ser em geral. Ou em outras palavras,

“a ontologia da natureza inorgânica, enquanto fundamento de todo existente, é por isso geral, porque não pode haver existente que não seja de qualquer modo fundada na natureza inorgânica. Na via aparecem novas categorias, mas estas podem operar com uma eficácia ontológica somente sobre a base das categorias gerais, com elas interagindo”(Lukács;1984:2)

É, entretanto o trabalho a categoria pela qual se deve começar quando se quer chegar à compreensão das especificidades do ser social de um ponto de vista ontológico. Estritamente considerado, em sua forma originária, o trabalho deve se conceituado como “órgão de intercâmbio entre o homem e a natureza” ( Lukács;s/d:29)
Nesse processo interativo, geram-se “novas relações da consciência com realidade e, em decorrência , consigo mesma”.(Lukács:01) Ciências, linguagem, sentimento de liberdade, noções éticas, criações chamadas “do espírito”, que são por sua vez, cada uma delas, dotadas de forte poder estruturante da vida social, vinculam-se, em última instância, à natureza.
O conceito de trabalho, na acepção de Marx só é aplicável, estritamente falando, ao trabalho humano, pois a sua especificidade decorre, essencialmente, da sua dimensão teleológica, que lhe confere o caráter criador, fonte de novas objetividades.
Esse sentido teleológico do trabalho tem sido em geral compreendido, como é manifesto tanto na vida ordinária dos homens em geral como nas científicas, filosóficas ou nas criações míticas. Mas há uma tendência a extrapolá-lo do domínio do trabalho humano, estendendo-o a outras esferas, como se viu ocorrer mesmo entre grandes filósofos. Hegel faz da teleologia o motor da história, Aristóteles a eleva a categoria cósmica. Kant mostra romper com essa idéia filosoficamente arraigada, de um sentido teleológico na natureza e na vida, definindo a esta última como “finalidade sem objetivo”. Mas não aprofundou a reflexão denunciada pelo enunciado referido, talvez em conseqüência da sua preferência fundamental pelas questões epistemológicas.
Marx, nessa citação de Lukács (s/d:9), é categórico:

“O trabalho não é uma das muitas formas fenomênicas da teleologia em geral, mas o lugar onde se pode demonstrar, ontologicamente, a presença de um pôr teleológico, como momento efetivo da realidade material”.
BIBLIOGRAFIA


ACOT, P. História da ecologia. Rio de Janeiro, Ed. Campus, 1990, p.212.
BATESON, G. Natureza e espírito. Uma unidade necessária. Lisboa,
Publicações Dom Quixote,1987.

GUATARRI, F. As três ecologias, Campinas, Ed. Papirus, 1990, p.56.

LUKÁCS G. Zur ontologie des gesellschaftlichem seins. Darmstadt: Luchterhand 1984, por Mario Duayer. Versão preliminar 1996.

LUKÁCS G. Ontologia do ser social. Os princípios ontológicos fundamentais de Marx. São Paulo, Livraria Editora Ciências Humanas,1979

LUKÁCS G. Ontologia do ser social. Cap: O trabalho. por Ivo Tonet Mimio.

MOREIRA, R J. Pensamento científico, cultura e ECO92. In Reforma Agrária nº 1, v.23, 14-39 ,1993.

MORIN, E. Science avec conscience, Paris, Fayard, 1982, p.33.

VIOLA E.J. & LEIS, H.R. Desordem global da biosfera e a nova ordem internacional; o papel organizador do ecologismo In: Leis,Hector (org) Ecologia e política mundial. Rio de Janeiro,Vozes, 1991

quarta-feira, 18 de março de 2009

Breve Cronologia do Conceito de Desenvolvimento Sustentável

A partir da metade do século XX, o desenvolvimento era sinônimo de progresso e crescimento e alcançou resultados nunca antes imaginados. Os confortos, antes inatingíveis pela maioria da população do primeiro mundo, ficam acessíveis, gerando um boom de consumo e produção de bens materiais. Esta característica de produção em grande escala visando o crescimento econômico dos países industrializados trouxe conseqüências ambientais catastróficas que começaram a ficar em evidência com mais freqüência, conseqüência de um mundo cada vez mais interligado e informado (Hobsbawm, 1995:...). O American Way Life e a forma de produção em massa transformam-se no modelo a ser alcançado pela maioria das nações em desenvolvimento.
A primeira alerta pública sobre um colapso ambiental foi em 1972 com a publicação Os Limites do Crescimento. Este documento começou a ser preparado em 1968 e teve a participação da pesquisa de cientistas, educadores, industriais tecnocratas e políticos sob liderança do Dr. Aurélio Peccei e ficou com o nome de O clube Roma. Este acontecimento é considerado, por muitos teóricos, como marco histórico do início das discussões, a nível global, sobre os problemas que afetam o meio ambiente e sobre a origem do conceito de desenvolvimento sustentável. Borges (2000) fazendo referencia a Bursztiyn (1994), diz que o relatório embora pouco realista, deu impulso para discussões sobre os rumos do crescimento econômico.(pág. ...)
O relatório propõe um freio do crescimento econômico dos países desenvolvidos para dar lugar ao desenvolvimento dos países mais pobres. O argumento usado é que a principal causa da degradação ambiental é a pobreza. A falta de tecnologias dos paises em desenvolvimento acaba gerando o mau uso dos seus recursos naturais.FALAR MAIS SOBRE OS LIMITES DO CRESCIMENTO PORQUE FOI DAÍ QUE SURGIU O CONCEITO DE DS
Num documento publicado pela UNESCO em 2000 podem ser observadas as diferentes concepções sobre meio ambiente que deram lugar, posteriormente, ao conceito de desenvolvimento sustentável. Este processo pode ser verificado no quadro a seguir:
ANO FATO COMENTÁRIO
1915 Estabelecimento da Comissão Canadense de Conservação (Canadian Commission on Conservation). Idéia principal: cada geração tem o direito ao capital natural, ou seja, ele deve ser mantido para ser transmitido às gerações seguintes.
1923 Realização do Congresso Internacional para Proteção da Natureza (International Congress for the Protection of Nature), Paris. Idéia principal: proteção da natureza e uso racional dos seus recursos.
1948 Realização da Conferência da UNESCO, Fontainebleau. Durante a Conferência foi criada a União Internacional para a Conservação da Natureza (International Union for the Conservation of Nature – IUCN).
1970 Publicação do Relatório do Clube de Roma. Idéia principal: crescimento zero.
1973 Criação do Centro Internacional de Pesquisa sobre Ambiente e Desenvolvimento (International Research Centre on the Environment and Development). Fundado em 1973 por Ignacy Sachs, em 1980 publicou uma síntese intitulada ESTRATÉGIA DO ECODESENVOLVIMENTO.
1976 Publicação do Manifesto do Partido Ecológico da Grã-Bretanha. Refere-se explicitamente ao conceito de sustentabilidade pela primeira vez.
1981 Publicação do documento CONSTRUINDO UMA SOCIEDADE SUSTENTÁVEL. O material foi publicado por Lester Brown, fundador do Worldwatch Institute.
1983 Criação da Comissão Mundial sobre Ambiente e Desenvolvimento (World Commission on Environment and Development - WCED). A Comissão, encabeçada por Gro Brundtland, então Ministra do Meio Ambiente da Noruega, distribuiu seu relatório final – NOSSO FUTURO COMUM – em 1987.
QUADRO N° 1
Fonte: Sologral, UNESCO, 2000 aput Mousinho, 2000:47
Alguns acontecimentos de significativa relevância não foram mencionados no quadro da UNESCO, fatos que podem ser sintetizados da seguinte forma:
I.1.1. Conferência Mundial de Meio Ambiente. Estocolmo – 1972.
Considerado precursor do Desenvolvimento Sustentável, o conceito de Eco-desenvolvimento foi apresentado por Ignacy Sachs e outros participantes da conferência. A intenção era conciliar o embate travado entre a bancada dos “zeristas” e a dos países em desenvolvimento. Nesta proposta percebe-se a primeira tentativa de juntar crescimento econômico, eqüidade social e prudência ecológica.
I.1.2. Ecologia profunda e Uso sustentável – 1980
Em 1980 surge a noção de Ecologia profunda, cujo conceito coloca o homem como o componente de sistema ambiental complexo, holístico e unificado. Isto desencadeou o debate que deu origem ao conceito de desenvolvimento sustentável ao substituir a palavra gerenciamento por sustentabilidade, do gerenciamento ambiental.
O uso sustentável foi sugerido também na década de 80 na Estratégia Mundial para a Conservação, publicada pelo PNUMA e o fundo Mundial para a Natureza (WWF). Na sua mensagem, economia e ambiente são conceitos que não são excludentes e o desenvolvimento sustentável seria a representação das estreitas relações entre eles.
I.1.3. Relatório Nosso Futuro Comum ou relatório Bruntland,- 1987
Encomendado em 1983 pela Comissão Mundial de Meio Ambiente (CMMA), o conceito de Desenvolvimento sustentável é definido pela primeira vez como “aquele que atende as necessidades do presente sem comprometer as necessidades das gerações futuras”.
I.1.4. Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento – Rio de Janeiro 1992
Conhecida como Rio-92, nesta ocasião do evento, o conceito de Desenvolvimento Sustentável, fortemente disseminado desde o relatório Bruntland, foi aceito pelos diversos atores sociais chegando-se ao um consenso quanto aos caminhos do desenvolvimento.
O crescimento econômico deixou de ser o principal causador das mazelas ambientais. Ao contrário, passou a ser visto como essencial à melhoria da qualidade de vida, contando que fosse sustentável. (Borges aput Mousinho, 2000:51).
I.2. A Sustentabilidade do Desenvolvimento
Uma característica comum entre as diversas opiniões sobre sustentabilidade é que esta necessariamente deve considerar de forma conjunta, não apenas os aspectos ambientais, mas os aspectos econômicos e sociais. Cuidar do aspecto ambiental, ou seja dos recursos naturais e sistemas ecológicos, é crucial para garantir que as gerações futuras possam usufruir destes recursos e o sistema produtivo possa ser mantido, alimentando o aspecto econômico. Da mesma forma, o bom uso dos recursos naturais contribui para a melhoria da qualidade de vida da população. No aspecto social uma observação relevante diz respeito à diminuição da desigualdade social com a redução da pobreza e a mudança de hábitos de consumo.
Embora tenha sido mencionado o ponto em comum sobre a opinião do conceito de sustentabilidade para o desenvolvimento, Mousinho (2000) fazendo uma referencia a Raskim (.....) diz que, o desenvolvimento sustentável é passível de diversas interpretações e pode ser usado no discurso de todos os segmentos. Esta característica do desenvolvimento sustentável foi fundamental para facilitar a aceitação por parte do setor privado e produtivo, principais responsáveis pela degradação. De modo geral, “o desenvolvimento sustentável procura manter os sistemas humanos e naturais interagindo e condicionando um a outro” (Raskim aput Mousinho, 2000:66)
Acselard (.... aput Borges 1998) destaca 5 principais discursos ligados à sustentabilidade do desenvolvimento (pág. ....).
O discurso da eficiência defende a busca da eficiência através do combate ao desperdício na base material do desenvolvimento e da sustentação do mercado como instancia reguladora do bem-estar dos indivíduos na sociedade. Propõe o pagamento de taxas para internalização das externalidades .
No discurso da escala, a sustentabilidade é associada ao desenvolvimento de limites quantitativos ao crescimento econômico. A eficiência deve ser ligada à suficiência. Este discurso também fala em redução de consumo. Porém, os instrumentos para alcançar este objetivo são o controle demográfico, autolimitação dos níveis de consumo per capita e redução dos níveis de crescimento econômico dos países pobres.
O discurso da equidade diz que a raiz da degradação ambiental é a desigualdade social. A pressão exercida na natureza, ou seja, a interferência e o uso dos recursos, é permeado pela disparidade distributiva, pela dependência financeira e pela desigualdade de acesso aos mecanismos de comércio e tecnologia. Mecanismos originários da correlação de forças econômicas e políticas que regulam o acesso das classes sociais e dos países à base material do desenvolvimento. A sustentabilidade seria decorrente da submissão do mercado às leis de rendimento da natureza.
Em paralelo ao discurso da equidade, o discurso da auto-suficiência propõe a auto-suficiência econômica com a produção comunitária mantendo as relações tradicionais com o meio físico natural do qual depende a sua sobrevivência.
O discurso da ética também reconhece as desigualdades jurídica, econômica e política de acesso ao espaço ambiental pelos distintos atores sociais. Fala da possibilidade de fins alternativos de colocar limites à produção material como fim último e sobre os deveres e obrigações morais relativos às condições de existência da vida.
A economia ecológica é outra das interpretações do desenvolvimento sustentável. Foi incorporada nos anos 80 nas discussões de caráter ambiental como uma alternativa de transformar a atividade produtiva uma atividade menos impactante levando em consideração os limites da natureza. A Economia Ecológica assume uma posição intermediária entre crescimento e os limites dos recursos naturais. Isto é, ela busca integrar analiticamente os componentes do sistema econômico com os do sistema físico.
A Economia ecológica funda-se no principio de que o funcionamento do sistema econômico, considerado nas escalas temporal e espacial mais amplas, deve ser compreendido tendo-se em vista as condições do mundo físico sobre o qual este se realiza, uma vez que é deste que derivam a energia e matérias-prima para o próprio funcionamento da economia. (Amazonas, s.d.:n.p)
Nas palavras do autor a economia ecológica assume uma posição que ele chama de “ceticismo prudente”, ou seja, ele não aponta limites ambientais ao crescimento econômico, mas cria ferramentas para criar limites efetivos às atividades econômicas.
Segundo May (1995:2), a característica preventiva da Economia Ecológica também admite que o tratamento das questões ambientais pelo viés das internalidades das externalidades é insuficiente.
Para que a Economia Ecológica seja eficaz, por tanto, é imperativo que as decisões relativas ao uso dos recursos naturais sejam incluídas na análise das políticas relevantes. (May, 1995:7)
Para analisar e pesquisar as políticas, o autor propõe duas alternativas metodológicas (May, 1955:8,9).
1. quantificação rigorosa do custo-benefício entre atividade econômica e funções ecológicas.
2. Limites à interferência da economia nos ecossistemas naturais. Isto é, por exemplo, o uso de do recurso deve ser de acordo com o grau de fragilidade ou de suporte do ecossistema. Se mesmo com a interferência de uma industria, um determinado ecossistema consegue manter seu funcionamento, significa o impacto não é relevante a ponto de danificar o Ecossistema. A indústria deve garantir que este quadro seja permanente.
Desta forma, considerando que o desenvolvimento seja assumido de forma sustentável incluindo a justiça social, então a valoração dos recursos deve ser incorporada à política do desenvolvimento. A Economia Ecológica procura uma abordagem preventiva na qual a escassez de recursos naturais e sua capacidade de suporte são limitadas e reais e não superáveis com o avanço tecnológico. Também sugere que as atividades poluidoras e o acesso aos recursos devem ser divididos de forma eqüitativa.
I.3 A Agenda 21 – Uma Diretriz para o Desenvolvimento Sustentável
A conferencia Mundial de Meio Ambiente no Rio de Janeiro em 1992, foi um evento decisivo na história do ambientalismo. No evento, os países pobres reivindicaram o direito ao desenvolvimento, negando qualquer tendência de crescimento zero que poderia ter sido proposta. Os estudos demonstraram que grande parte da poluição e de outros impactos negativos no ambiente tem como responsáveis os países industrializados. Corrigir ou modificar o modo como vinha sendo entendido o desenvolvimento tornou-se uma questão urgente.
A agenda 21 é um documento onde estão evidenciadas as diretrizes para um desenvolvimento compatível com a preservação do meio ambiente sem significar um freio para o crescimento econômico. Dividida em quatro seções e contendo 40 capítulos, que mencionam todas as áreas em que a ação humana pode causar impacto, a Agenda 21 é considerada um plano de ação construída de forma participativa e consensuada. Por este motivo, é também a tentativa mais abrangente já realizada para orientar um novo padrão de desenvolvimento. Este novo padrão se refere justamente ao conceito de desenvolvimento sustentável, onde os aspectos social e ambiental são incluídos nos planos para o desenvolvimento de uma nação. O crescimento econômico depende diretamente desses dois fatores, no entanto vale ressaltar que a Conferencia teve com objetivo principal colocar em evidencia a questão ambiental em primeiro plano.
A Agenda 21 não ignora o fato de que cada país possui características diferentes e propõe que cada um deles elabore sua própria agenda. O modelo de Agenda 21 pode ser aplicado tanto a nível global quando a nível local.
No Brasil, a Agenda 21 começou a ser elaborada em 1996 num processo que durou 7 anos para ser finalizado. A coordenação para a elaboração da Agenda 21 Brasileira ficou a cargo da Comissão de Políticas para o Desenvolvimento Sustentável – CPDS que selecionou seis áreas temáticas: Agricultura Sustentável, Cidades Sustentáveis, Infra-estrutura e Integração Regional, Gestão dos Recursos Naturais, Redução das Desigualdades Sociais e Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Sustentável. Houve todo um trabalho de pesquisa e envolvimento dos diversos segmentos da sociedade sobre os temas relacionados. Produto disso foi a publicação dos seis assuntos mencionados com a opinião dos diferentes atores sociais e os conceitos, os entraves e as propostas para a construção da sustentabilidade. A continuidade do processo de elaboração da Agenda 21 Brasileira foi feita através de debates estaduais que totalizaram o número de 26, com o envio de 5.839 propostas sobre os temas levantados na pesquisa.
A Agenda 21 Brasileira foi concluída em julho de 2002 e entrou fase de implementação em 2003. Para facilitar este processo foi elevada à condição de Programa de Plano Plurianual 2004 – 2007. Como Programa ganha força política na medida em que é inserida nas diretrizes da política ambiental do governo. A agenda é composta por dois documentos: um fala sobre as ações prioritárias para a construção da sustentabilidade brasileira; e o outro é a agenda em si, onde está incluído o histórico da sua elaboração, o resultados das discussões a nível nacional e as diretrizes para o desenvolvimento sustentável do país.

sábado, 7 de março de 2009

A complexidade e a ecologia.: um olhar transdisciplinar para o ambiente e a educação

A luz dos teóricos da “Complexidade” busca-se contextualizar a o conceito de ecologia. Parte-se da idéia-chave, de que o ambiente é constitutivo em permanente ou permanência de todos os seres que se alimentam nele; ele coopera permanentemente com a sua organização. Esses seres e essas organizações são permatentemente eco-dependentes.
Mas por um paradoxo que é a característica da relação ecológica, é nessa dependência que se tece e se constitui a autonomia dos seres.
Tais seres não podem construir e manter sua existência, sua autonomia , sua individualidade, sua originalidade se não na relação ecológica, isto é, em e pela dependência relativa a seu ambiente, de onde a idéia alfa de todo pensamento ecologizado: a independência de um ser vivo requer sua dependência de um ser vivo requer sua dependência em relação ao seu ambiente.

Introdução


A física clássica dissolveu e desintegrou a idéia de natureza para considerar apenas as suas leis gerais e objetos manipuláveis. A biologia deixa de vê-la como a mãe protetora e sábia para concebê-la unicamente como selecionadora anônima.(Morin; s.d:56)

O conceito de ecossistema reintroduz na concepção científica a antiga idéia de natureza ainda dominante no século XVI e a partir dos séculos XVII e XVIII, em vigor apenas na poesia: - a natureza como uma entidade integradora, organizadora, regeneradora. Mas agora com uma vantagem:

Se formos capazes de conceber a complexidade eco-organizadora, poderemos estabelecer as ligações entre as duas concepções contrárias de natureza que dominaram o século XIX: por um lado, a “concepção organicista, maternal, harmoniosa de Rousseau e do romantismo; por outro lado, a concepção cruel, impiedosa, eliminadora, dum certo darwinismo, concebido em termos de luta e de seleção. A natureza viva ou eco-natureza revela-nos virtudes organizadoras ainda mais admiráveis do que haviam imaginado os românticos. A sua virtude de “espontaneidade” pemite-lhe organizar em eco-sistema de elevadíssima complexidade sem dispor de um centro organizador. A sua virtude “reorganizadora” permite-lhe tolerar apagar e utilizar, de modo extremamente flexível, riscos, perturbações e desordem. A sua virtude “integradora” permite-lhe associar, numa unidade reguladora, uma miríade de seres e de espécies extremamente diversas, bem como converter egoísmos, antagonismos e devorações numa grande solidariedade eco-organizadora. (Morin: s.d 57-58)

A morte faz parte dos fundamentos vitais da eco-organização: concorrências, antagonismos, fagias semeiam a morte e toda cadeia de vida é, ao mesmo tempo, uma cadeia de morte.(...) A grande regulação eco-organizadora é o produto do confronto das duas ubris contrárias, a ubris da morte e a ubris da vida, produção louca de sementes, germes, espermas, de que a maior parte é massacrada mesmo antes de nascer, precisamente pela ubris da morte. Assim não é unicamente nas suas desordens que a natureza é bárbara, é na regeneração e na edificação de sua harmonia.(Morin; s.d.: 58)

Para José ª Lutzemberg, ecólogo brasileiro reconhecido internacionalmente em seu artigo Conceito de ecologia para a revista Vozes de jan de 1979,ecologia: “é a ciência da sinfonia da vida, eé a ciência da sobrevivência”(64)

Boff compartilha da mesma visão que Morin e Lutzemberg sobre as peculiaridades do saber ecológico:
...a ecologia é um saber das relações, interconexões, interdependências e intercâmbios de tudo com tudo em todos os pontos e em todos os momentos. (...) Ela é um saber de saberes, entre si relacionados.
...a ecologia só se define no marco das relações que ela articula em todas as direções e com todo tipo de saber acerca da forma como todos os seres dependem uns dos outros, constituindo a teia imensa de interdependências deles. Eles formam, como tecnicamente se diz, um grande sistema homeostático, que significa um grande sistema equilibrado e auto-regulado. Ela não substitui os saberes particulares com seus paradigmas específicos, seus métodos e resultados( ...) A singularidade do saber ecológico consiste na tranversalidade. (...) quer dizer, no relacionar pelos lados (comunidade ecológica) para frente (futuro), pra trás (passado) e para dentro (complexidade) todas as experiências e todas as formas de compreensão como complementares e úteis no nosso conhecimento do universo, nossa funcionalidad dentro dele e na solidariedade cósmica que nos une a todos.

A boa e a má natureza constituem, portanto, as duas faces de uma realidade una, plural, contraditória. Os antagonismos são ao mesmo tempo, complementaridades. A desorganização é ao mesmo tempo organização. “Vida e morte alimentam-se, produzem-se mutuamente numa cadeia, no qual todo ato que alimenta a vida é um ato mortal para vida.”(Morin; s.d:59)
A ecologia fica mutilada se for apenas ciência natural: não só as sociedades humanas sempre fizeram parte dos ecossistemas, mas estes, depois dos desenvolvimentos universais da agricultura, da criação de gado, da silvicultura, da cidade, fazem agora parte das sociedades humanas, que fazem parte deles. A ecologia geral deve pois ser uma ecologia que integra a esfera antropossocial na ecosfera e ao mesmo tempo a formidável retroação dos desenvolvimentos antropossociais sobre os ecossistemas biosfera.
As sociedades arcaicas de caçadores-coletores eram móveis dispersos, com poucos indivíduos, integravam-se nos ecossistemas; já os modificavam, e por vezes até degradavam (pelo fogo), “mas inscreviam a sua organização, sem no entanto inscreverem a eco-organização na sócio-organização.” (Morin; s.d.:69)
As sociedades históricas, isto é, as sociedades que surgem na história no mesmo movimento que fazem surgir a história, são sociedades pastorícias, agrícolas e urbanas, agrupando populações aos milhares. Foram se transformando não só a sua ecologia, mas a relação de dominância/controle no seio dos ecossistemas, isto é, sob um aspecto crucial, a própria relação ecológica.
Esta transformação comporta aspectos de simbiotização entre as espécies vegetais ou animais selecionadas que, a partir daí, são protegidas, tratadas, alimentadas, pelo homem, mas desenvolve inseparavelmente o parasitismo e a subjugação do homem relativamente a essas espécies.

A subjugação no sentido biológico do termo, é o fenômeno pelo qual o subjugador impõe o seu comando e o seu controle sobre os aparelhos( reprodutores ou cerebrais) de outros seres vivos, utiliza ou inibe as suas qualidades (organizacionais, operacionais) para a realização dos seus próprios fins próprios.(Morin; s.d.: 70)

A subjugação não é uma invenção humana, Exerce-se de modo restrito nos parasitismos: as formigas praticam na sujeição de outra espécies, a domesticação dos pulgões, a cultura dos cogumelos. Mais foi numa escala totalmente diferente, com meios totalmente diferentes que as sociedades históricas fundaram a sua subjugação parasitária da natureza, “A, subjugação da natureza pelo homem transformou a natureza da subjugação. ”Morin (s.d.: 70)
A subjugação dos processos de reprodução e de desenvolvimento vegetal constitui a agricultura ( seleção das sementes e do terreno, crescimento, hibridações, estímulos do crescimento, etc.) . A subjugação. do animal constituía a criação e a domesticação,
A subjugação dos vegetais ou dos animais faz-se acompanhar por uma subjugação do território natural, florestas, lagos, rios, onde o homem estabelece o seu controle e a sua exploração.
Estes processos subjugadores afetam não só os fenômenos ecológicos, mas o princípio organizador. Mas reciprocamente, o controle do ecossistema sobre as sociedades humanas cresce à medida do controle que suporta. As variações ecológicas provocam gelo, seca, inundações que determinam desastres e fome as quais suscitam crises, guerras, invasões ...
Todavia, durante as longas eras de agricultura tradicional, as espontaneidades eco-organizadoras naturais amorteceram e integraram muitas perturbações provenientes de intervenções antropossociais.
Durante muito tempo a inovação antropossocial desenvolveu a complexidade natural: as hibridações, e crescimentos aumentaram a diversidade dos indivíduos e das espécies sem no entanto destruírem as antigas variedades: as seleções desenvolveram aptidões latentes ou embrionárias. Mas progressivamente, a extensão e a intensificação da agricultura e da criação fazem desaparecer espécies selvagens e reduzem a variedade das espécies domesticadas em proveito dos tipos de rendimento elevado.
No século XIX multiplicaram-se as “crises de biocenose” , provenientes de intervenções humanas visando um objetivo preciso, isto é, concebido isoladamente, sem consciência das interações eco-organizadoras, das quais participa o fenômeno que se pretende eliminar, sem conceber de resto as perturbações eco-organizacionais, provocadas pelo fenômeno que se pretende fazer surgir.
A destruição de uma espécie nociva ou a introdução de uma espécie estranha determinam crises de biocenose.
Tudo isso pode e deve aparecer como o “reverso” do desenvolvimento antropossocial na era industrial, que aliás permitiu não só alimentar de modo acrescido um número acrescido de seres humanos, mas também fazer progredir a complexidade antropossocial.
Mas também este reverso progride e faz progredir a descomplexificação da natureza. No século XX, a destruição da rotina pela técnica, as monoculturas em larga escala e em rotação acelerada, as seleções destruidoras da variabilidade, a racionalização em função apenas do rendimento, generalização dos adubos industriais e, enfim, a propagação dos pesticidas lesam profundamente os ciclos de regeneração, matam rios e lagos, transformam as terras de monocultura em campos de concentração para um tipo vegetal, isolado de todo contato biológico, doravante sem zumbido de um inseto, o salto de um coelho, nem o canto dum pássaro. A partir daí a biocenose está quase destruída e só resta uma espécie entre as tenazes metálicas da tecnosfera.
Doravante, uma parte da natureza depende não só da sociedade humana, mas da tecnosfera estende à vida humana e à vida natural o modelo de organização próprio das máquinas artificiais. O espírito desta tecnologia determina e é sobredeterminado pela lógica do lucro, pelo gigantismo industrial, pelo excesso de especialização.
Agora a sociedade humana encerra nas suas malhas os ecossistemas, mas não escapa aos princípios fundamentais da relação ecológica. O homem alçou-se ao topo da natureza, mas permanece no interior da natureza. Sofre a eco-determinação que toda vida sofre e a dependência ecológica acrescida é o preço da sua independência acrescida.
O homem tornou-se o subjugador global da biosfera, mas por isso mesmo subjugou-se a ele. Tornou-se hiperparasita do mundo vivo, mas por ser parasita ameaça a sua sobrevivência ameaçando desintegrar a eco-organizaçãp em que vive.
A tomada de consciência da relação ecológica conduz a uma tomada de consciência antropossociológica e sugere duas questões interligadas.
A primeira diz respeito à situação do homem na natureza, ou segundo os termos próprios de Morin, a situação da esfera antropossocial na biosfera. A segunda “concerne ao que liga a subjugação/exploração do homem pelo homem. Morin (s.d.:94) Estariam já estabelecidos os dois primeiros elementos da resposta através do desenvolvimento das páginas precedentes Quanto mais controlarmos a natureza mais ela nos controla. Subjugar a natureza ajuda-nos a intersubjugarmo-nos.”

Vimos que o desenvolvimento das nossas sociedades:

• inscreve cada vez mais a ecologia natural na esfera antropossocial;
• inscreve cada vez mais as sociedades na ecosfera e sobretudo quando essas sociedades se crêem emancipadas na natureza;
• cria eco-sistemas mistos mais ou menos selvagens ou domesticado, simultaneamente eco-organizados;
• cria eco-sistemas sociais, nomeadamente urbanos, onde a parte biológica natural está reduzida ao mínimo e onde se hipertrofia a parte artificial tecnosfera.

A verdadeira realidade, agora polarizada, entre a eco-organização natural e a sócio-organização humana é mista, vaga, multidimencional : a verdadeira realidade é a eco-(bio-sócio)-logia complexa constituída por eco organizações biológicas e sociais, onde o urbano, o rural, o selvagem se sobrepõem e interferem em interações complementares, concorrentes, antagônicas e incertas. “Já não há natureza pura e nunca houve sociedade pura .” (Morin: s.d.: 97)

A ecologia geral é portanto, a ecologia que se constitui no circuito:

Ecologia ---------sociologia
______________

O olhar ecológico consiste em distinguir (perceber) todo fenômeno autônomo ( auto organizador, auto-produtor, auto-determinado) na sua relação com o seu ambiente. Este, enquanto tal, não é um ecossistema. Ex A bactéria Escherichia coli tem como seu ambiente os nossos intestinos, que para nós são órgãos, mas para as bactérias são o “seu”ecossistema. O ambiente social de um indivíduo humano constitui, quando consideramos de modo global, uma sócio-organização onde se esbate a dimensão eco-organizadora; mas, considerado do ponto de vista do indivíduo, surge como o seu ecossistema: esse ambiente é constituído não só por um “meio”urbano, rural, técnico, etc, mas também por um conjunto de inter-retroações associativas, concorrente, antagônicas; cada uma das suas ações entra de modo aleatório nessas interações, modifica-se e é modificada por ela. (Morin; s.d.: 77)

O olhar ecológico salienta necessariamente o papel ativo do sujeito em todo processo cognitivo, pois, para o olhar ecológico (aparece), como ambiente ou ecossistema aquilo que, por outra focagem e outra escala, aparece diferente (estruturas sociais, instituições, etc).
A noção de ecologia aparece com Haeckel (1866); institui um novo campo nas ciências biológicas: o das relações entre os seres vivos e os meios onde vivem, Desenvolvendo-se no século XX, vai cada vez mais descobrir no ambiente a riqueza de um universo. Vai discernir a unidade de dupla textura proveniente da conjunção de um biótopo e de uma biocenose. As unidades ecológicas emergem: na base, o nicho; (Elton, 1927); no topo, a biosfera, que totaliza o conjunto da vida na crosta terrestre.
Correlativamente, vê-se que o meio não é constituído apenas pela ordem geofísica nem pela desordem de todos contra todos. Os modelos matemáticos de Volter e Lotka (1924) mostram que a “luta pela existência entre seres vivos produz ‘leis’. Mais ainda: a emergência da noção de ecossistema (Tansley, 1935) constitui uma tomada de consciência fundamental: As interações entre seres vivos, conjugando-se com as imposições e as possibilidades fornecidas pelo biótopo, organizam precisamente o ambiente como sistema . (Morin; s.d.: 22)

A partir daí o ambiente cessa de representar uma unidade unicamente territorial, para tornar-se uma realidade organizadora, o ecossistema, que comporta a ordem geofísica e a desordem da selva. Doravante, a ecologia funde-se na idéia de ecossistema, que integra e ultrapassa as noções de meio ambiente, de Unwelt.
Efetivamente, no seu fundamento a ecologia não é somente a ciência das determinações e influências físicas provenientes do biótopo; nem somente a ciência das interações combinatórias/organizadoras entre cada um e todos os constituintes físicos e vivos dos ecossistemas.

Portanto a ecologia necessita de um pensamento organizacionista, mas que ultrapasse os princípios de organização, mas que ultrapasse os princípios de organização estritamente físicos. Com efeito, a eco-organização é organização simultaneamente física e viva:
Física viva
______________
Sua originalidade reside no seu caráter vivo, que retroage sobre o seu caráter físico.(Morin; s.d. 22)


1.2- O conceito de Paradigma


O pensamento de um determinado tempo organiza-se segundo os paradigmas nele inscritos pela cultura.

Que quer dizer paradigma? O sentido do termo grego oscila em Platão em torno da exemplificação do modelo ou regra. Para Aristóteles, o paradigma é o argumento que baseado num exemplo, se destina a ser generalizado. (Morin; 1998: 265)

O termo foi difundido através da logística estrutural, com um sentido específico, etc

Adquiriu um sentido de vulgata bastante afastado da lingüística estrutural no vocabulário das idéias e debates científicos anglo-saxões. Designa seja o princípio, o modelo ou a regra geral, seja o conjunto das representações, crenças, idéias, que se ilustram de maneira exemplar ou ilustram casos exemplares.(Morin; 1998: 266)

Em a Estrutura das revoluções científicas Thomas Kuhn atribuiu importância decisiva à noção de paradigma, retomando, à sua maneira, a idéia de que o conhecimento científico não é pura e simples acumulação de saberes e que o modo de conceber, formular e organizar as teorias científicas era comandado e controlado por postulados e pressupostos ocultos. A originalidade constituiu em detectar, sob pressupostos ou postulados, um fundo coletivo de evidências escondidas e imperativos, que denominou paradigmas. Na primeira edição do seu livro, o paradigma é constituído pelas “descobertas científicas universalmente reconhecidas.” Kuhn (1975: 218)

Na segunda edição o paradigma adquire um sentido sociologizado e torna-se “o conjunto das crenças, dos valores reconhecidos e das técnicas comuns aos membros de um determinado grupo.” Kuhn (1975: 218)
Assim, como diz Morin (1998), Kuhn deu ao termo “paradigma” um sentido ao mesmo tempo forte e vago. Forte, pois o paradigma tem valor radical de orientação metodológica, de esquemas fundamentais de pensamento, de pressupostos ou crenças detendo assim um poder soberano sobre as teorias. Vago, pois oscila entre sentidos diversos, cobrindo in extremis , de modo difuso, a adesão coletiva dos cientistas a uma visão de mundo. As críticas sobre a insuficiência e a imprecisão da noção Kuhniana de paradigma denunciam não só uma insuficiência no pensamento do autor mas também uma dificuldade de se pensar a noção de paradigma, que se obscurece e depois se desvanece quando se tenta mergulhar no caráter primeiro, fundador. Trata-se de uma noção que não sabemos nem realmente isolar, nem conectar verdadeiramente com a lógica, com o espírito humano, com a cultura.
De resto, sob o efeito das críticas a respeito da imprecisão do termo, Kuhn depois de ter tentado localizá-lo ou baseá-lo sócio-culturalmente, parece ter se decidido a abandoná-lo
Como veremos, um grande paradigma controla não apenas as teorias e raciocínios, mas também o campo cognitivo intelectual e cultural em que nascem teorias e raciocínios. Controla, além disso, a epistemologia que controla a teoria e a prática decorrente da teoria.

Conservo a noção de paradigma, não só apesar de sua obscuridade, mas também por causa dela, pois visa a qualquer coisa de muito radical profundamente imersa no inconsciente individual e coletivo, cuja emergência muito recente e parcial no pensamento consciente ainda está envolta em brumas. Conservo-a também, não só apesar da sua ambigüidade, mas também por causa dela, pois esta nos remete a múltiplas raízes emaranhadas (lingüísticas, lógicas, ideológicas e mais ainda, cerébro-psiquícas e sócio-culturais).
Como Foucault fez com a episteme, utilizarei o termo paradigma não só para o saber científico, mas para todo o conhecimento, todo pensamento, todo sistema noológico (Morin; 1998: 167)

Morin propõe uma definição:

Um paradigma contém para todos os discursos que se realizam sob o seu domínio, os conceitos fundamentais ou as categorias mestras de inteligibilidade, ao mesmo tempo que o tipo de relações lógicas de atração/repulsão (conjunção, disjunção, implicação ou outras) entre esses conceitos e categorias. (1998: 268)

Numa cultura podem conviver e geralmente convivem diferentes paradigmas.
A relação homem/natureza pode ser um bom exemplo. Prevalecem neste caso dois paradigmas. Para um deles, a espécie humana inclui-se no mundo natural, sendo portanto legítimo falar-se de uma natureza humana. Para o outro, o humano é algo de único, de específico, situado acima e fora da natureza. O exemplo dado presta-se ainda à identificação do modo de atuação do paradigma da simplificação Este vigora nas duas posições citadas, apesar da oposição que as distingue, Ambas obedecem ao mesmo determinismo face à complexidade da questão. Na primeira, reduz-se o humano ao natural; na segunda, distingue-se, separa-se o humano do natural. A inteligibilidade moldada pelo paradigma da simplificação não considera plausível

a unidualidade (natural, cultural, cerebral e psíquica) da realidade humana e também a relação ao mesmo tempo, inconsciente e supraconsciente, subterrânea e soberano pois define a verdade de um sistema de idéias. É enfim o organizador da organização e, como tal comanda os princípios de pensamento, situando-se no mais íntimo do sistema de idéias, e das teorias, como foi apontado por Kuhn. (Morin; 1998: 270)

Morin.(1998:274) estabelece doze características comuns aos diferentes paradigmas:
1- o paradigma é ‘não falsificável’, embora as teorias dele dependentes sejam falsificáveis;
2- dispõe do princípio de autoridade axiomática;
3- dispõe de um princípio de exclusão;
4- o paradigma cega, ou seja o que exclui deixa de existir;
5- é invisível... Só aparece nas atualizações, que o exemplificam;.
6- cria evidências, auto-ocultando-se;
7- é cogerador do sentimento de realidade;
8- a invisibilidade torna-o invulnerável. Só podem afetá-lo, atingí-lo os ‘indivíduos desviantes’, existentes em qualquer sociedade, e as revoluções paradigmáticas que, embora raras, acontecem;
9-.há incompreensão e antinomia entre os paradigmas, isto é entre pensamentos, discursos, sistemas de idéias comandados por paradigmas diferentes;
10- o paradigma está recursivamente ligado aos discursos e sistemas que gera. É como a arcada que mantém unido o conjunto de peças da abóbada, enquanto é, ela própria, mantida pelo conjunto de peças que mantém. Ela sustenta, em suma, o que a sustenta;
11- um grande paradigma determina, através das teorias e ideologias, uma mentalidade, uma visão de mundo. Por isso, uma mudança no paradigma ramifica-se pelo conjunto do nosso universo. Uma revolução paradigmática transforma o nosso mundo;
12- Invisível e invunerável, um paradigma não pode ser atacado, contestado arruinado diretamente. É preciso que apareçam frestas, fissuras erosões, corrosões no edifício das concepções e teorias subentendidos.
A seguir os comentários adicionais do autor, às características de números 9 e 12.
Número 9: exemplo dado: a oposição paradigmática capitalismo/socialismo versus sua oposição paradigmática democracia/totalitarismo e vice versa.

O pacto Hitler/Stalin de1939, parece puramente circunstancial, a quem quer que se situe nos limites do primeiro paradigma, o qual estabelece uma relação consubstancial entre capitalismo e nazismo. Em contrapartida, o pacto é altamente significativo, para aqueles cujo pensamento é conformado. (Morin: 1998: 274)

Finalmente, sobre o número 12, Morin acrescenta que, num processo de transformação paradigmática, é necessário não apenas o aparecimento de frestas, erosões e corrosões no sistema teórico subentendido. É necessário que novas teses ou hipóteses desviantes, sejam propostas, verificadas e confirmadas no mesmo terreno onde se verificaram fracassos.

É preciso em suma um vaivém corrosivo/crítico entre dados, observações, experiências nos núcleos teóricos, para que possa então acontecer o desabamento do edifício minado, arrastando, na sua queda, o paradigma cuja morte poderá, como a sua vida, manter-se invisível. (Morin;1998: 275)

1.2.1-.O grande paradigma do Ocidente: a duplicação disjuntiva dos seres

A separação entre ciência e filosofia dá-se nos séculos XVIII e XIX, estabelecendo dois universos comandados por regras e princípios diversos: a filosofia e a pesquisa reflexiva, de um lado; a ciência e a pesquisa objetiva, de outro, de acordo com as prescrições do paradigma cartesiano, que determina a seguinte disjunção

Sujeito Objeto
Alma Corpo
Espírito Matéria
Qualidade Quantidade
Finalidade Causalidade
Sentimento Razão
Liberdade Determinismo
Existência Essência


Esse paradigma determina uma dupla visão de mundo, de fato uma duplicação do mesmo mundo; por um lado, um mundo de objetos submetidos a observações, experimentações, manipulações. Por outro, um mundo de sujeitos que se colocam a si próprios problemas existenciais, de comunicação, de consciência, de destino... O humanismo ocidental consagra a disjunção entre os dois universos, enquanto se instala em ambos. Assim, vê na ciência, não o aspecto que faz do homem um objeto de ciência entre outros, e ignora todo o sujeito humano, mas o aspecto que faz dela o instrumento da dominação humana sobre a natureza e tende a fazer do seu manipulador o sujeito do universo. (Morin; 1998: 279)

1.2.2- Ciência – técnica - sociedade

A ciência é, em si própria, poder de persuasão e manipulação. Esse poder, virtual nas medidas e quantificações, objetos das operações de cálculo, atualiza-se nas manipulações de objetos. A matematização procura fórmulas cuja aplicação permita obter resultados práticos. O poder da ciência realiza-se na experimentação, que comporta a extração de um objeto para fora de seu meio natural (disjunção operacional e operações manipuladoras sobre esse objeto. Enquanto o primado da matematização desenvolve os poderes de abstração, de extração, de operação e de controle, o primado do conhecimento analítico permite a divisão em pequenas unidades manipuláveis. Dividir para reinar. A fórmula é também a de Maquiavel para dominar a cidade, a de Descartes, para dominar a dificuldade intelectual, a Taylor, para reger as operações do trabalhador na empresa. O paradigma ocidental reina, dividindo. (Morin; 1998: 286)

Na Europa ocidental, constitui-se, a partir do século XVII, uma engrenagem histórica ciência/técnica Esse par tende, conforme a expressão de Heidegger, a aprisionar a natureza.
Mas esse objetivo produz hoje uma outra questão:

será a tecnociência que se apodera da sociedade ou a sociedade que se apodera da sociedade ou a sociedade que se apodera da tecnociência? (...) Nessas condições, o paradigma da ciência clássica não é mais separável do paradigma que comanda a organização das sociedades contemporâneas, Temos, portanto, de mergulhar o olhar nesse lugar profundo, obscuro enigmático onde o ideal e o social se invertem e se transmutam um no outro... Temos que perceber o polienraizamento social, econômico, cultural, noológico do grande paradigma ocidental. (Morin; s.d.: 286)

O grande paradigma está presente não apenas na sociedade (disjunção entre a organização tecnoburocrata e a vida cotidiana), na cultura (disjunção entre cultura de humanidades e cultura científica), mas também nos psiquismos e nas vidas, suscitando as passagens, por saltos quase quânticos, do mundo dos sentimentos, das paixões, da poesia, da literatura, da música, para o mundo da razão, do cálculo da técnica...
O que é paradigmático está profundamente inscrito na organização cognitiva dos espíritos/cérebros humanos, na organização noológica, nos processos lingüísticos e lógicos, na cultura, onde se determinam as visões de mundo, nos mitos e nas idéias, na atividade e nas condutas...
Toda sociedade é o produto das intercomputações e intercogitações entre indivíduos que a constituem e retroage de maneira megacomputacional sobre os indivíduos, fornecendo-lhes normas, padrões, esquemas, que se inscrevem no imprinting cultural desses indivíduos e guiam as suas computações/cogitações. Se compreendemos isso, podemos então compreender que a instância paradigmática se situe no nucleus comum e obscuro onde normas, padrões e esquemas guiam as computações e as cogitações que as atualizam. ( Morin; s.d.: 187)
É por existir um tronco comum à maneira como se organizam o conhecimento e a sociedade, que a noção de paradigma apresenta uma grande ambigüidade. Ela (essa noção) pode ser concebida num sentido idealista ou num sentido materialista. O sentido idealista faz do paradigma a idéia central que comanda, em suma, toda organização social, a qual seria como que um produto das potências organizadoras do espírito; o sentido materialista faz do paradigma a expressão ou o resultado, em termos simbólicos e ideais, das realidades sociais materiais que são as relações entre as forças produtivas.
Mas é preciso estar justamente sob influência de um grande paradigma a expressão ou resultado, em termos simbólicos e ideais, das realidades sociais materiais que são as relações entre as forças produtivas.

Mas é preciso estar justamente sob a influência de um grande paradigma para que se imponha a alternativa matéria/espírito. De fato, os dois sentidos são verdadeiros, isto é ambos são relativamente falsos. Dado que o paradigma se situa no nucleus da materialidade de toda organização, viva, individual, social, é de natureza computacional, logo imaterial mas os operadores de todas computações vivas, individuais, sociais, assim como operadores de todos os pensamentos, ideologias, mitologias, são objetos físicos, biológicos, cerebrais, ou seja, materiais. (Morin; 1998: 289)

A instância paradigmática une num nó górdio a organização primordial do cognitivo e a organização primordial do social.

1.2.3 Sobre a revolução paradigmática

Uma revolução paradigmática transforma o modo de pensar, o mundo pensado, o mundo do pensamento.
A revolução copernicana é exemplar como revolução paradigmática. O sistema geocêntrico do mundo, estabelecido milenarmente, não constituía um paradigma de centralidade/hierarquia que privilegia o homem e seu habitat, colocando-os no centro do mundo; este paradigma foi atingido. A revolução copernicana não afetou nenhum dos componentes planetários do sistema anterior; realizou somente uma permutação hierárquica entre a Terra e o Sol e pôs a Terra em movimento o que bastou para mudar simultaneamente o mundo e o lugar do homem no mundo. As verdades antropocêntricas foram abaladas. As verdades religiosas, atingidas. A autoridade e a infalibilidade do poder espiritual, alteradas. Ao mesmo tempo, a revolução paradigmática abria uma problematização generalizada iniciada pelo Renascimento, que iria atua de modo constante sobre a cultura européia.
Para operar a simples permutação Terra-Sol, um enorme trabalho teve de ser realizado ao nível dos fenômenos e da teoria, até que o paradigma soberano pudesse enfim ser atingido. As observações desviantes e aberrantes em relação à teoria geocêntrica multiplicaram-se antes de ter conseguido corrompê-la. Para que pudesse emergir a nova concepção, foi necessário acumular novos indícios, novos cálculos e a elaboração de um novo esquema explicativo. Houve enormes dificuldades e resistências, não apenas religiosas, mas também intelectuais. Era necessário perder o centro absoluto de referência aceitar o desmoronamento do foco antropocêntrico, instalar-se num satélite, mudar de universo e poder viver num novo universo.

O paradigma antropocêntrico resistiu, contudo, em numerosos setores, O homem continuou o único sujeito do universo na maioria das concepções humanistas. Depois, apesar da descoberta da evolução biológica no século XIX, que o atrelou ao reino animal, a filiação só foi reconhecida sob o ponto de vista anatômico e as ciências humanas constituiram-se no século XIX em ruptura e separação em relação às ciências biológicas. Ainda hoje o paradigma abalado da revolução copernicana continua a resistir como um ouriço e conserva múltiplos bastiões. (Morin: 1998; nota 25: 301)


Por toda parte, os princípios de disjunção e de redução (simplificação) quebram as totalidades orgânicas e são cegos em relação a uma complexidade cada vez menos escamoteável
Por toda parte o sujeito reintroduz-se no objeto, o espirito e a matéria recorrem um ao outro em lugar de se excluírem, cada coisa, cada ser exige a reinserção no seu ambiente.
O paradigma da ordem soberana deixou, por toda parte, de ser operacional, mas a dialógica complexa (de complementaridade, de concorrências, de antagonismo) entre ordem, desordem, organização não se inscreveu nem se enraizou de modo algum em paradigma.(Morin: s.d.:198)

Por toda parte, vemos que não há uma unidade elementar simples, mas o paradigma reducionista continua a funcionar no vazio, como um robô programado há séculos num planeta doravante deserto. (Morin;199:295)

Morin (1998:296) faz comentários sobre contradições verificados no presente quando “a crise social civilizacional foi enunciada, diagnosticada, denunciada, mas o fim da ‘civilização industrial’ ainda não anuncia qualquer aurora...Estamos numa era agônica de gestação ou de morte.”
Mais adiante Morin continua suas considerações:

O paradigma da simplificação que (opera pela redução e pela disjunção), escapa de qualquer compreensão pelo pensamento simplificador que gera. O paradigma da ciência clássica não permite tomar consciência da noção de paradigma . (1998: 297)

A consciência da noção de paradigma significa que já se está separado do paradigma clássico. Ora, como vimos, essa consciência é ainda bastante simplista, confusa, insuficiente em Kuhn, a quem devemos, contudo a introdução da noção no coração da problemática científica. A Esfinge apenas começa a emergir do nevoeiro. (198: 298-299)

1.2.4- Ciência clássica: características epistemológicas

“O paradigma da ciência clássica controlou (e ainda controla em grande parte) não apenas toda a teoria clássica, mas também a lógica a epistemologia e a visão de mundo. Morin(1998:284)
A ciência clássica baseia-se na lógica dedutivo-identitária, geralmente designada por lógica clássica ou formal. O seu cerne são os princípios de identidade, indução e dedução. Através destes três princípios, essa lógica demonstra a coerência que garante a validade formal dos discursos por ela embasados.
Morin chama a atenção para o aspecto de que esses três princípios são solidários e diz que embora Aristóteles “tenha restringido a sua validade a um mesmo tempo e a uma mesma relação, a razão e a ciência clássicas absolutizaram esses princípios.” Morin (1998: 219)

A ciência separa-se da filosofia no decorrer do século XVII, não apenas porque introduz em si a medida e a precisão, a observação e a experimentação, mas também porque se baseia no paradigma disjuntivo, e afasta todo juízo de valor dos seus juízos. (Morin;1998:282)

Morin define os traços característicos da ciência clássica:

- realce da ordem oculta da natureza e exclusão das desordens ou acasos considerados irrelevantes;
- determinação da simplicidade e fixidez da ordem natural, manifesta por um mecanismo universal e determinação dos objetos primeiros na natureza, como unidades elementares simples. A reunião dessas unidades constituiria os diferentes corpos da natureza, todos sujeitos ao mecanismo universal;
- inércia da matéria submetida às ‘leis da natureza’, especialização e geometrização do conhecimento, que ignora e exclui a irreversibilidade do tempo;
- substancialização (ou reificação), do objeto através do seu fechamento ou isolamento em relação ao seu ambiente e a seu observador;
- inclusão ou aceitação do critério de inteligibilidade ou verdade, proferido por Descartes: a clareza e a distinção das idéias;
- redução da verdade científica à verdade matemática, a qual, por sua vez, será reduzida mediante a eliminação dos atributos não mensuráveis, não quantificáveis , - o que representa a exclusão dos aspectos qualitativos das coisas consideradas.
Em todos essas características, vigora o paradigma da exclusão, que opera a simplificação das realidades consideradas, sempre dentro da mais estrita coerência lógica. A desintegração das entidades, que visa o enfoque das unidades elementares, e a visão mecânica que busca os determinismos ordenadores simples, quer se conjuguem, quer se oponham, têm sempre como resultado a expulsão do orgânico e do complexo.
A concepção do mundo da ciência clássica baseia-se em dois princípios : 1 “a coincidência entre a inteligibilidade lógico-matemática e as estruturas da realidade objetiva; 2 o princípio da razão suficiente que dá a tudo que é uma razão de existir.(Morin;1998:283)
Formulado por Leibniz, o princípio da razão suficiente, sustenta: “nunca acontece nada sem uma causa ou pelo menos uma razão determinando, isto é, uma razão que possa servir para explicar a priori porque isso é assim e não de outra maneira.”(Morin; 1998:301, nota 23)
No plano da organização do conhecimento, a racionalidade separou as ciências umas das outras, assim como as disciplinas, recortando-as, de forma abstrata e arbitrária do todo da realidade objetiva.
O positivismo lógico representou o nível mais alto de realização da concepção clássica de ciência. Apoia-se na lógica e na realidade empírica, como pilares de indubitável segurança, absolutamente certo da plena coincidência entre ambas e de que a indução permite a formulação de leis “Decompõe, por princípio, as proposições moleculares (complexas) em proposições atômicas (simples, elementares), determinando do que a verdade das proposições atômicas arraste a da proposição molecular.” Morin (1998: 284)
A ciência clássica rege-se pela “lógica dedutivo-identitária, que pressupõe um objeto e um observador fixos, imóveis, constantes, entre gêneses, metamorfoses e desintegrações. O que faz a sua utilidade segmentária faz igualmente seu limite.” Morin(1998:240)
Baseando-se na lógica aristotélica, que é intemporal, a lógica imobiliza e estratifica os seus objetos, cristaliza-os, reifica-os. Morin (1998:240) cita observações diversas acerca dessa característica imobilizante da lógica dedutivo-identitária: Hegel: “identidade nada mais é do que a determinação do simples imediato, do ser morto a”; Orower “a lógica é impotente para fornecer-nos as normas de um procedimento heurístico indicar-nos como devemos proceder para fazer a menor descoberta e resolver o menor problema”; Novalis: a lógica ocupa-se somente com os cadáveres do pensamento racional”
Os princípios lógicos aristotélicos situam-se num mesmo tempo. Permitem o raciocínio sobre objetos estáveis, a partir dos quais se pode estabelecer uma prova. Absolutizando essa lógica, isto é, conferindo-lhe um poder universal, é que o pensamento simplificador, imobilizou, reificou todos os seus objetos. Morin:(1998:240)

A lógica dedutivo –identitária é feita para o mecânico e para o monótono; as suas conclusões decorrem infalivelmente das suas premissas. O novo pode ser deduzido ou induzido.(Morin:1998:240)

1.3.1- A dominação da natureza e a produção do homem pelo homem

“Todo ser vivo tende a dominar a zona na qual ele se alimenta: no reino vegetal, as plantas controlam seu espaço nutricial, secretando uma substância que inibe o crescimento de outras plantas em sua vizinhança; e, é precisamente evidentemente sobretudo no reino animal que se desenvolve a dominação e precisamente nas espécies que desenvolveram (correlativamente) um aparelho nervoso central, (desenvolve-se) uma rica estratégia de comportamentos hábeis, precisos rápidos inteligentes. Há dominações nos eco-sistemas, mas os eco-sistemas não têm o aparelho nervoso central, eles se organizam através das interretroações dos seres vivos que o constituem.(Morin; s.d.: 144)
Entre esses viventes, há, ao mesmo tempo, parasitismos em cadeia, interdependências, dominações recíprocas, tudo através de cooperações, lutas, competições, submissões.
Assim a relação comando-comunicação

comandocomunicação
_________
entre eles é sempre complexa, apresentando características de complementaridade, de concorrência de antagonismos. São incertas, rotativas, aleatórias.


1.3.2. A dominação da motricidade física


A história da humanidade inaugura um novo tipo de dominação na natureza e sobre ela.
Tudo começa por uma subjugação, uma domesticação e uma primeira dominação: o homem aprende a manter, isto é a regular o fogo, depois de fazê-lo surgir. O fogo serve para proteger, iluminar, cozer, grelhar, depois forjar: ele está dominado. Mas a grande dominação só se produzirá mais tarde, quando o fogo for aprisionado, explorado, como motor da era industrial.
Entre a subjugação inicial do fogo e sua escravização generalizada ocidental do século XIX há a produção e subjugação dos moinhos de água e de vento. Finalidades antropo-sociais.... Depois o motor a fogo, como foi dito. Depois a máquina antropo-social criou motores a partir de energias cada vez mais turbulentas, subjugou a explosão, libera, em um flamejar de começo e fim do mundo a dominar a energia do átomo, depois começa a dominá-la no motor nuclear. Assim ao termo de uma gênese ao contrário, o homem quebra o núcleo do átomo, isto é, da primeira realidade física organizada, do primeiro ser físico e ressuscita a fusão termonuclear que faz nascer e mantém os sóis. Assim a história da produção do homem pelo homem é inseparável de uma recriação e redescoberta das potencialidades genésicas da física para e por sua dominação.




1.3.3.-O assujeitamento do vegetal e o assujeitamento do animal

A transformação dos fluxos e turbulências naturais em motricidade subjugada é apenas um aspecto da dominação da natureza. Além da parasitagem (dominação parcial e localizada) e da simbiose (dominação mútua, que se torna cooperação e co-organização), começa uma dominação multidimensional do universo vivo, que vai da exploração pura e simples das energias corporais até a escravização. O assujeitamento da vida efetua-se principalmente pelo assujeitamento, não só dos processos de reprodução, mas dos aparelhos de reprodução (manipulação e seleção de grãos, seleções, contrações na criação de animais). Em outras palavra, o fundamento de toda vida, a reprodução, é ao mesmo tempo controlada, transformada, manipulada pelo exterior, totalmente submetido aos fins humanos em todas as espécies domésticas.
O assujeitamento é a submissão do ser animal por controle/comando do seu autos, isto é, da sua autonomia cerebral. A partir daí, o aparelho neuro-cerbral humano submete outros aparelhos neuro-cerebrais que conservam sua competência e a sua autonomia organizacional, mas suas atividades tornam-se, desde então, submetidas às finalidades da sua subjugação. Aqui o termo alienação, assume um sentido concreto: o autos do assujeitado encontra-se alienado no autos do senhor.

Essa relação senhor/escravo é muito mais fundamental, complexa e dramática que a relação senhor/escravo de Hegel. O autos continua dotado de subjetividade, mas esta torna-se satélite de um outro sujeito assujeitador;a inteligência e as aptidões do assujeitado devem encontrar pleno emprego, mas no sentido das finalidades do senhor. A obediência pode ser imposta pela coação (escravidão), mas ela pode também assumir o valor de lei, programa, ordem natural no escravizado, assim totalmente alienado ao serviço da lei, do programa, da ordem do senhor. (Morin; s/d:245)

Ao mesmo tempo a fórmula da subjugação está preparada. Ela será uma justaposição e/ou combinação de assujeitamento e de escravidão, de alienação e de exploração. A escravidão é ela própria, uma combinação de assujeitamento absoluto (o escravo tornado propriedade do senhor) e de uma subjugação energética (a exploração sob coação da força de trabalho)
De resto, a apropriação massiça das plantas (a agricultura) e dos animais, a subjugação de massas enormes da humanidade, e o surgimento da mega-máquina social como seu aparelho central, o Estado são concomitantes e correlativos.

Desde o começo a dominação da natureza retroage de modo complexo, sobre o devenir da humanidade. A domesticação do fogo domesticou o homem criando-lhe um lar, ela o barbarizou, convidando-o a destruir com o fogo. A subjugação das turbulências e explosões permitiu civilizar enormes forças motoras selvagens ela aumentou a turbulência explosiva da história humana e criou as condições de uma auto-destruição generalizada. A cultura das plantas cultivou o homem, criando vida rural e urbana (,) ela lhe fez perder a rica cultura arcaica dos caçadores-coletores nômades. A subjugação do mundo animal criou os modelos de subjugação do homem pelo homem.
E hoje a dominação dos artefatos cibernéticos preludia talvez um monotipo de subjugação informacional do homem pelo homem. (Morin; s/d, 246)

1.3.4- O Estado e a mega máquina social: o jogo dos assujeitamentos e emancipações

A mega-máquina antropo-social formou e desenvolve-se em e pelo assujeitamento generalizado dos seres humanos. O assujeitamento dos homens surgiu nesse momento crucial. A entrada da humanidade na história é a entrada do Estado dominador no coração das sociedades, ao mesmo tempo que a entrada da turbulência da desordem no coração da sociedade. A guerra e a conquista produzem a dominação e o Império: os inimigos vencidos fornecem os enormes contingentes da antiga escravização: as etnias subjugadas tornam-se os povos dominados.
A formidável subjugação dos viventes e dos humanos é inseparável da formação de uma aparelho de Estado, que computa , ordena, decide, que domina a sociedade e a organiza como máquina.
O Estado é o aparelho dos aparelhos... O aparecimento do Estado constitui uma enorme metamorfose em relação a todas as outras sociedades animais, hominídeos e humanos arcaicos. Existem já mega-máquinas sociais entre as formigas abelhas, mas são sociedades sem Estado, nem governo: sua praxis organizacional efetua-se a partir das interações entre os aparelhos nervosos dos indivíduos e é esse conjunto neuro-ativo que constitui como que um gigantesco cérebro dotado de mobilidade e de mandíbulas. Na espécie humana a mega máquina social só pôde se constituir com o Estado.

O aparelho de Estado emancipa e subjuga ao mesmo tempo. Não somente a e, emancipação do homem, mas também a subjugação do homem que se efetua em e pela dominação da natureza. É a dominação de uma sociedade que permite a dominação de seu meio ambiente (as sociedades vizinhas, o meio natural), mas que desenvolve em e por essa barbárie predatória os focos da civilização na elite dos dominadores. (Morin; s.d:248)

1.3 4- Dependência ecológica-relação ecológica

Os seres vivos dispõem de uma extraordinária autonomia de organização e de comportamento que lhes permite adaptar-se ao ambiente e até adaptar o ambiente a si mesmo e dominá-lo. Mas eles mantém-se sempre em total dependência ecológica, uma vez que sua revitalização ininterruptamente necessária provém desse ambiente

Os seres eco-dependentes têm uma dupla identidade: uma identidade própria que os distingue, uma identidade de pertencimento ecológico, que os liga ao seu ambiente. O turbilhão faz parte do movimento dos ventos embora mantendo sua identidade própria; faz parte de rio, do qual ele é apenas um momento e, entretanto, ele tem a sua individualidade, em relação à qual o rio se torna um meio ou ambiente; mas tornado ambiente. Sempre, por algum aspecto, um sistema aberto de entrada faz parte do seu meio, o qual faz parte do referido sistema , uma vez que ele penetra, o atravessa, o co-produz. (Morin; s.d. 204)

Temos a tendência a considerar as fronteiras essencialmente como linhas de exclusão, mas aqui a palavra fronteira revela a unidade da dupla identidade, que é ao mesmo tempo, distinção e pertencimento. A fronteira é ao mesmo tempo, abertura e fechamento. É na fronteira que se realiza a distinção e ligação com o ambiente. Toda fronteira, é inclusive a membrana das nações, é ao mesmo tempo que barreira, o lugar de comunicação e da troca. Ele é o lugar da asssociação, da separação e da articulação. Ela é o filtro retém e deixa passar. Ela é aquilo pelo que se estabelecem as correntes osmóticas e o impede a homogeinização.
O ambiente não é apenas co-presente; ele é também co-organizador se considerarmos as correntezas, as cachoeiras: é o fluxo do rio que organiza o fluxo que tornou turbilhão ou cachoeira constituído pelo encontro entre o fluxo e a pedra que se organiza em torno de si mesmo? Tudo isso ao mesmo tempo: o fluxo, o barco, o processo do turbilhão são co-produtores e co-organizadores de uma generatividade que se fechando sobre si mesma, se torna cachoeira. (Morin; s/d: 204)

O ambiente, longe de reduzir seu caráter co-organizador, o aumenta no ser vivo. O ambiente, feito ecossistema, isto é uma máquina espontânea nascida das interações entre os seres vivos de um mesmo nicho, é muito mais que uma reserva de alimento, mais ainda uma fonte de neguentropia onde o ser (haure) organização, complexidade, é uma das dimensões da vida. tão fundamental quanto a individulidade, a sociedade, o ciclo das reproduções.
Impõe-se, portanto, a idéia-chave: o ambiente é constitutivo em permanente ou permanência de todos os seres que se alimentam nele; ele coopera permanentemente com a sua organização. Esses seres e essas organizações são permatentemente eco-dependentes.
Mas por um paradoxo que é a característica da relação ecológica, é nessa dependência que se tece e se constitui a autonomia dos seres.
Tais seres não podem construir e manter sua existência, sua autonomia , sua individualidade, sua originalidade se não na relação ecológica, isto é, em e pela dependência relativa a seu ambiente, de onde a idéia alfa de todo pensamento ecologizado: a independência de um ser vivo requer sua dependência de um ser vivo requer sua dependência em relação ao seu ambiente.

Bibliografia
Morin, E. Método 2 A vida da vida. s.l. Publicações Europa América, s.d.
Morin, E. Método 3. O conhecimento do conhecimento s.l. Europa América, s.d.
Morin, E. Método 4. As idéias habitat, vida costumes organização. Porto Alegre, Sulina, 1998 Morin, E. Science avec conscience, Paris, Fayard, 1982, p.33.